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A Pescaria e a Ética

A Pescaria e a Ética

01/05/2005
Ele tinha onze anos e, cada oportunidade que surgia, ia pescar no cais próximo ao chalé da família, numa ilha que ficava em meio a um lago. A temporada de pesca só começaria no dia seguinte, mas pai e filho saíram no fim da tarde para pegar apenas peixes cuja captura estava liberada.
 
O menino amarrou uma isca e começou a praticar arremessos, provocando ondulações coloridas na água. Logo, elas se tornaram prateadas pelo efeito da lua nascendo sobre o lago. Quando o caniço vergou, ele soube que havia algo enorme do outro lado da linha. O pai olhava com admiração, enquanto o garoto habilmente, e com muito cuidado, erguia o peixe exausto da água. Era o maior que já tinha visto, porém sua pesca só era permitida na temporada.
 
O garoto e o pai olharam para o peixe, tão bonito, as guelras para trás e para frente. O pai, então, acendeu um fósforo e olhou para o relógio. Eram dez da noite, faltavam apenas duas horas para a abertura da temporada. Em seguida, olhou para o peixe e depois para o menino, dizendo:
- "Você tem que devolvê-lo, filho!"
- "Mas, papai, reclamou o menino."
- "Vai aparecer outro, insistiu o pai."
- "Não tão grande quanto este", choramingou a criança.
 
O garoto olhou à volta do lago. Não havia outros pescadores ou embarcações à vista. Voltou novamente o olhar para o pai. Mesmo sem ninguém por perto, sabia, pela firmeza em sua voz, que a decisão era inegociável.
Devagar, tirou o anzol da boca do enorme peixe e o devolveu à água escura. O peixe movimentou rapidamente o corpo e desapareceu.
E, naquele momento, o menino teve certeza de que jamais veria um peixe tão grande quanto aquele. Isso aconteceu há trinta e quatro anos.
 
Hoje, o garoto é um arquiteto bem-sucedido. O chalé continua lá, na ilha em meio ao lago e ele leva seus filhos para pescar no mesmo cais. Sua intuição estava correta. Nunca mais conseguiu pescar um peixe tão maravilhoso como o daquela noite. Porém, sempre vê o mesmo peixe repetidamente todas as vezes que depara com uma questão ética. Porque, como o pai lhe ensinou, a ética é simplesmente uma questão de certo e errado. Agir corretamente, quando se está sendo observado, é uma coisa. A ética, porém, está em agir corretamente quando ninguém está nos vendo.
 
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A história valoriza não como se consegue ludibriar as regras, mas como, dentro delas, é possível fazer a coisa certa. A boa educação é como uma moeda de ouro: tem valor em toda parte.
 
No entanto, essa conduta reta só é possível quando, desde criança, aprende-se a "devolver o peixe à água".
 
Hoje, a palavra de ordem de profissionais e empresas está centrada na ética. No entanto, é preciso perceber que há uma enorme distância entre o discurso e a realidade.
 
Alguns anos atrás, a diretriz era a tão sonhada parceria, mas era nítido que não havia a relação de ganha-ganha, pois sempre havia uma das partes querendo "se dar bem", pensando apenas no seu lado.
 
Depois passamos pela fase do comprometimento, onde todos diziam estar envolvidos com o crescimento e sucesso do negócio. Mas também era uma expressão utilizada apenas "da boca prá fora", pois quando era necessário provar esse compromisso, sempre havia uma desculpa.
 
A ética é um valor moral que está dentro de cada um de nós. Logicamente, ela pode ser aprendida mesmo depois de termos uma personalidade formada. Seria como uma renovação. Afinal, embora tenhamos nossos próprios valores, eles são constantemente renovados, sempre em busca de melhorias, agregando cada vez mais idéias e aprendizagens positivas.
 
No ser humano é possível verificar uma distância entre sua existência e a sua essência, entre o que ele é e entre o que ele deve ser. A flor é perfeitamente flor, desde botão evolui para realizar sua essência de flor. O homem, quando nasce, traz em si uma imensa ambigüidade, ou melhor dizendo, plurivalência: poderá ser um sábio ou um ignorante, um santo ou um viciado, um herói ou um bandido.
 
Daí se induz que o homem, qualquer que seja o seu fim, deve superar por si mesmo a distância entre sua existência e sua essência, não em virtude de determinismos de forças físicas e ambientais ou convenções sociais, mas livremente pelo exercício de sua responsabilidade e de seus valores.
 
Passados esses momentos filosofais, a intenção destas palavras está em mostrar quão distantes estão pensamentos de ações.
 
Nossos valores éticos e morais não precisam ser mostrados. Eles são percebidos através de nossos atos e omissões.
 
Não é preciso dizer, por exemplo, que uma empresa atua com postura ética e transparência. Mas, caso ela o faça pautada nessas diretrizes, seus fornecedores, clientes e parceiros irão perceber esses valores, podendo até diferenciá-la das demais por esses motivos.
 
Assim, está na hora de verificarmos se nossas atitudes estão realmente de acordo com os valores éticos e morais.
 
Fazer o que é correto é simples. Caso você não esteja seguro, pergunte-se: "Como estas ações seriam vistas se publicadas na primeira página do jornal que os meus pais lêem?"
 
 
"Consciência é a voz interior a nos advertir que alguém talvez esteja olhando".
H. L. Mencken