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Encontre sua Flor

Encontre sua Flor

01/06/2003
O estacionamento estava deserto quando me sentei para ler embaixo dos longos ramos de um velho carvalho.
 
As dificuldades profissionais, o stress gerado pela pressão, o mau humor constante no ambiente familiar me deixaram um pouco desiludido da vida e com razões para chorar. Afinal, o mundo estava tentando me afundar. E se não fosse razão suficiente para arruinar o dia, um garoto ofegante se aproximou, cansado de brincar. Ele parou na minha frente, cabeça pendente, e disse cheio de alegria:  
- “Veja o que encontrei!!!”
 
Na sua mão uma flor, e que visão lamentável, pétalas caídas, pouca água ou luz. Querendo me ver livre do garoto com sua flor, fingi um sorriso e me virei. Mas, ao invés de recuar, ele se sentou ao meu lado, levou a flor ao nariz e declarou com estranha surpresa:  
- “O cheiro é ótimo. E é bonita também... Por isso a peguei; ei-la, é sua.”
 
A flor estava morta ou morrendo, nada de cores vibrantes como laranja, amarelo ou vermelho, mas eu sabia que tinha que pegá-la, ou ele jamais sairia de lá.
Então me estendi para pegá-la e respondi sem muito entusiasmo:
- “Era tudo o que eu precisava.”
 
Mas, ao invés de colocá-la na minha mão, ele continuou segurando a flor no ar, sem qualquer razão. E somente nessa hora notei, pela primeira vez, que o garoto era cego, que não podia ver o que tinha nas suas mãos. Ouvi minha voz sumir, lágrimas despontaram ao sol enquanto lhe agradecia por escolher a melhor flor daquele jardim.  
- “De nada”.
 
Ele sorriu e voltou a brincar sem perceber o impacto que teve em meu dia. Então, pus-me a pensar como ele conseguiu enxergar um homem auto-piedoso sob um velho carvalho. Como ele sabia do meu sofrimento auto-indulgente? Talvez, no seu coração, ele tenha sido abençoado com a verdadeira visão.
 
Através dos olhos de uma criança cega, finalmente entendi que o problema não era o mundo, e sim EU. E por todos os momentos em que eu mesmo fui cego, agradeci por ver a beleza da vida e apreciei cada segundo que é só meu.
 Então levei aquela feia flor ao meu nariz e senti a fragrância de uma bela rosa. E sorri com gosto, enquanto via aquele garoto, com outra flor em suas mãos, prestes a mudar a vida de um insuspeito senhor de idade.  
 
Numa época extremamente conturbada, onde nos vemos cercados de problemas como violência, crise econômica, pressão profissional, desemprego, é fácil nos pegarmos como o homem da história: auto-piedosos. Acabamos nos focando apenas em problemas, pensando somente nas dificuldades que enfrentamos, não percebendo as possibilidades que estão à porta ou deixando de lado tudo de bom que foi - e ainda poderá ser - vivido.
 
Na área empresarial, por exemplo, é comum vermos pessoas ávidas por desenvolver novos produtos e serviços, em buscar uma idéia inovadora, revolucionária, que trará lucros enorme do dia para a noite. Mas essa luz não vem. Nem hoje, nem amanhã. Talvez, um dia.
 
Mas, por sempre querermos resolver nossos problemas imediatistas, essa idéia precisa acontecer agora. E como isso não acontece ficamos pensando que a nossa vida é difícil, passamos a invejar os outros (“eu tenho mais capacidade do que ele, mas ele tem mais do que eu”), culpamos o FHC (ainda) e o Lula... Enfim, parece que “o mundo está tentando nos afundar”.
Apegamo-nos apenas ao lado negativo das coisas, passamos a ser mais pessimistas, ao invés de vermos as coisas pelo lado bom. E, dessa forma, certamente as coisas serão mais difíceis. Sempre iremos dormir e acordar com o “dever de ter aquele estalo”, não desfrutando dos tão necessários pequenos momentos. Sim, aqueles pequenos momentos mágicos do dia, como jantar com a família, ver o brilho no olhar dos filhos, deitar no colo de quem se ama, rir com os amigos... Sentir o perfume de uma flor dada por um menino cego.
 
É preciso mudar o ponto de vista, ver a vida pelos ângulos positivos. Nossa principal obrigação é ser feliz. Certamente, sempre teremos problemas, tanto o rico quanto o pobre, e cada um a seu modo, porém sempre julando ser a nossa dificuldade maior que a do outro. Porém, o principal é, ao invés de nos atermos apenas aos obstáculos, entender que necessitamos pensar mais no que estamos construindo e em como desfrutamos de nossa rápida passagem pela vida terrena.
 
E devemos nos elevar nessa luta para conquistar a qualidade de vida. Coisa que independe dos outros ou de aspectos econômicos e sociais. É uma tomada de atitude em busca da autovalorização como pessoa. E essa jornada começa por achar que você é importante, que você vale a pena. Pessoas positivas são otimistas porque conseguem otimizar a positividade. Algo que possa parecer impossível tornar-se possível quando alguém se sente apto a transpor todos os obstáculos, conhecendo a sua verdadeira grandeza interior, acreditando em si mesmo.
 
Não devemos nos julgar incapazes de algo e, por consequência, sentirmos pena de nós mesmos. A idéia irá surgir, os ventos irão soprar a favor. Mas tudo a seu tempo. Se a época é difícil, temos de entender o momento, não como uma situação crítica, mas como um momento de aflorar nossa percepção da realidade que nos cerca e de perceber a verdade dos fatos.
 
E, só assim, encontrar e descobrir a beleza da lição que existe numa flor murcha oferecida por um menino cego.
 
 
“Fecho meus olhos para ver”.
Paul Gauguin