O Conto do Arroz Chinês
01/02/2005
Naquele tempo, na China, um discípulo perguntou ao mestre:
- "Mestre, qual a diferença entre o Céu e o inferno?"
E o mestre respondeu:
- "É muito pequena, mas com grandes conseqüências."
E o mestre explicou:
- "Vi um grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento. Ao redor dele, havia muitos homens, quase morrendo de fome. Eles não podiam se aproximar do monte de arroz, mas possuíam longos palitos de 2 a 3 metros de comprimento.
No entanto, embora conseguissem apanhar o arroz, não conseguiam levá-lo até à boca porque os palitos, em suas mãos, eram longos demais. Assim, famintos e moribundos, embora juntos, permaneciam solitários, curtindo uma fome eterna, diante de uma fartura inesgotável. Meu amigo: isto é o inferno."
E o mestre prosseguiu:
- "Vi outro grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento. Ao redor dele, havia, também, muitos homens famintos, mas cheios de vitalidade. Eles, também, não podiam se aproximar do monte de arroz, mas possuíam longos palitos de 2 a 3 metros de comprimento. Eles, também, encontravam as mesmas dificuldades para levar à própria boca o arroz, já que os palitos eram longos demais. Porém, eis a grande novidade: com seus longos palitos, em vez de levarem à própria boca, eles serviam o arroz uns aos outros. Dessa forma, numa grande comunhão fraterna, juntos e solidários, matavam sua fome. Meu amigo: isso é o Céu."
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Particularmente, gosto bastante de parábolas. Elas nos permitem refletir melhor sobre o tema a que se propõem. Além disso, sempre são aplicáveis ao momento em que vivemos, seja em nossa vida pessoal ou profissional.
O Conto do Arroz Chinês mais uma vez coloca à prova que, diante das dificuldades, é melhor partilhar os problemas para buscar as melhores soluções. É comum olharmos apenas para o nosso "próprio umbigo", vivendo ilhados, focando apenas em nossos particulares, ao invés de levantarmos a cabeça e percebermos o que existe mais adiante.
Com uma visão mais panorâmica, buscando ver o todo, é possível também encontrar pessoas que podem compartilhar conosco os obstáculos, dando-nos o suporte e apoio necessários para superá-los.
E aqui, volto a comentar sobre as aulas de biologia, onde os professores nos falavam sobre os conceitos de simbiose.
Para refrescar a memória, simbiose, em biologia, significa a interdependência de dois organismos de espécies diferentes.
Denomina-se mutualismo o tipo de simbiose na qual os organismos cooperantes, obtêm um benefício mútuo. Um exemplo clássico encontramos nos oceanos: é a relação da alga e dos celenterados (medusas ou águas-vivas), que alojam algas em seus tentáculos. Estes animais procuram nadar próximos à superfície da água para que as algas possam usar a luz para efetuar a fotossíntese. Ao realizarem o processo, as algas produzem certos compostos orgânicos essenciais ao organismo hospedeiro.
Existem ainda outras formas de simbiose, como a antagonística ou parasitismo, na qual um organismo satisfaz suas necessidades provocando danos ao outro, e o comensalismo, que ocorre quando dois animais diferentes e não-parasitas dividem o alimento.
Mas, certamente, o que nos interessa e é pertinente às nossas vidas é a primeira forma de simbiose comentada, na qual ocorre uma relação mutuamente vantajosa entre os organismos vivos, mesmo sendo de espécies diferentes. Afinal, eles agem ativamente em conjunto para garantirem a sua própria sobrevivência.
O economista Adam Smith, formulador da Teoria Econômica, pregava que na relação comercial prevalecia a natureza egoísta dos homens, sempre em busca da defesa do interesse próprio.
Aí nos vale refletir: se a natureza humana tende a ser egoísta e o mercado não passa de um reflexo disso, por que alguém adotaria a tal postura simbiótica?
Para alguns, pode-se dizer que apenas para contrariar. Afinal, essa já seria uma razão afinada com a natureza humana, não seria? "Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só de malandragem", cantaria Jorge BenJor.
No entanto, julgo que a maioria das pessoas pode adotar o modelo simbiótico racionalmente, percebendo ser possível se beneficiar com o auxílio dos outros. Empresas e colaboradores, buscando ativamente a melhoria de seus produtos e serviços, da própria relação de trabalho, irão encantar seus clientes.
Certa vez ouvi uma história sobre as viagens de trem na década de quarenta, quando a composição da Companhia Paulista passava rigorosamente no horário por um trecho próximo a Nova Odessa. Ali os passageiros começavam a olhar pelas janelas e examinar o céu. "Olha ele lá!", gritava alguém. Então tinha início o momento mágico.
Com um mergulho gracioso, um pequeno gavião sincronizava seu vôo livre de amarras com o resfolegante gigante preso aos trilhos. Leveza e força viajavam lado a lado por alguns minutos, até surgir um braço estendido da janela do vagão restaurante. Era o cozinheiro, com um pedaço de carne na mão. Por alguns instantes, dedos e bico se encontravam na transferência suave daquela dádiva. Então o gavião dava uma volta acrobática no céu e desaparecia em direção ao ninho, observado por um trem de testemunhas. Era quando todos voltavam a respirar.
"Tem sempre um que beija e outro que oferece a bochecha."
Ditado Francês